segunda-feira, 22 de outubro de 2012

POEMAS DO PAPA JOÃO PAULO II


POEMAS DE KAROL WOJTYLA E TAMBÉM
DO ENTÃO PAPA JOÃO PAULO II
(COMENTÁRIOS E FRAGMENTOS)

Os comentários a seguir, em sua grande parte, foram extraídos do texto de autoria de Giovanni Reale sobre o Tríptico Romano de João Paulo II. A tradução do Tríptico Romano foi feita do italiano por Maria Judith Sucupira da Costa Lins.

Houve muitos Papas filósofos e muitos Papas teólogos, mas Papas poetas nem tanto. Os comentários abaixo, e também fragmentos dos poemas de Karol Wojtyla fazem essa conexão e esclarecem muita coisa sobre o autor e a sua visão do mundo e do  homem.

*

(...) Uma das questões que se põem ao falarmos de obra poética de João Paulo II é se há, ou não, a possibilidade de haver uma conexão entre a filosofia e a poesia. 

Paul Valéry, por exemplo, sustentava que poesia e filosofia não se podem fundir juntamente, que são incompatíveis entre si, já que a filosofia cria noções, enquanto o poeta exprime estados de ânimo.

O grande poeta e pensador T. S. Eliot, retomando estas afirmações de Valéry e confrontando-as com a poesia de Dante, refuta-as de modo perfeito. E o que ele disse relativamente à poesia de Dante vale também para a poesia de Wojtyla. “O poeta pode tratar os conceitos filosóficos, não como matéria de discussão, mas como matéria de visão”  E ainda: “A poesia de Dante é uma imaginação visível”.

Resumindo: o filósofo enquanto criador de conceitos é um “pensador”, o poeta enquanto criador de imagens é um “visionário”. Exatamente enquanto “visionário”, o poeta pode “ver” e exprimir por “imagens” aquilo que o filósofo e o teólogo exprimem por “conceitos”.

No Tríptico Romano os termos “visão”, “imagem”, “ver” aparecem com frequência. Escreve Wojtyla:



Verbo – perene visão e enunciação.
Aquele que criava, via – viu “que isto era bom”,
discernia com um olhar diferente do nosso.
Ele – o primeiro Vidente –
Via, descobria em tudo um traço do seu Ser, da sua plenitude –
Via...

E um pouco mais adiante, acrescenta:

No Vaticano há uma capela, que espera o fruto da tua visão!
A visão espera a imagem.
Desde que o Verbo se fez carne, a visão, desde então, espera.

Então, o Invisível, primeiro faz-se visível no Logos; depois, faz-se visível nas imagens da pintura de Miguel Ângelo e, em seguida, nas da poesia de Wojtyla. 

O Tríptico Romano de Karol Wojtyla é um texto poético belo e tocante, mas não é de fácil leitura e compreensão.

Em primeiro lugar, devemos chamar a atenção para a dupla raiz da composição: a “polonesa” e a “romana”.  Trata-se de duas vozes fundidas harmoniosamente numa só.

Numa carta, na época da publicação das Obras Literárias, o pontífice escreveu: “Para esta “sinfonia” secular, contribuíram também a história e a língua da nação de que sou filho.  Agradeço ao Senhor por me conceder a honra e a alegria de participar deste empreendimento cultural e espiritual: inicialmente com paixão juvenil e, depois, na sucessão dos anos, com uma perspectiva progressivamente enriquecida pela comparação com outras culturas e sobretudo pela exploração do imenso patrimônio cultural da Igreja. Deste modo, a minha voz permaneceu sem dúvida polonesa, mas tornou-se, ao mesmo tempo, europeia, segundo a dupla tradição oriental e ocidental”.

Num Discurso aos jovens, de 1979, especificava: “A inspiração cristã não deixa de ser a fonte principal das criatividade dos artistas poloneses. A poesia polonesa flui sempre como uma grande corrente de inspirações, que tem a sua fonte no Evangelho.”

Numa dimensão da visão metafísico-poética, Wojtyla, na Capela Sistina, vê-se também a si próprio enquanto vota, no conclave de agosto de 1978, no cardeal que se torna o Papa João Paulo I, e no de outubro do mesmo ano, no qual ele próprio é votado e se torna João Paulo II. Parece entrever também aquele que será o “Com-clave”, que depois da sua morte, deverá transferir as chaves do Reino para o sucessor, e escreve:

Enfim, é preciso que lhes fale a visão de Miguel Ângelo.
“Com-clave”: uma partilhada solicitude
            do legado das chaves, das chaves do Reino.
Eis que se veem entre o Início e o Fim,
            entre o Dia da Criação e o Dia do Juízo.
É concedido ao homem morrer uma só vez, e depois o Juízo!

Também a terceira tábua do livro, intitulado “Colina na região de Moriá”, é composta em estilo análogo do “poeta visionário”. A vida de Abraão é apresentada como um símbolo daquela que será a paixão de Cristo:

Ó Abraão, tu que sobes a Colina de Moriá,
existe um certo limite da paternidade, um certo limiar, que tu não ultrapassarás.
Um outro Pai receberá a Consagração do Filho
(...)
Ó Abraão – Deus amou de tal modo o mundo,
que entregou o seu Filho, para que todo aquele que acreditar nele
possa alcançar a vida eterna.

A primeira composição do Tríptico Romano, que se intitula “Torrente”, é, aparentemente a mais fácil, mas na realidade é bastante difícil. O primeiro dos textos que compõem essa composição – “Assombro” – já é por si mesmo muito indicativo. Que sentido tem falar de “assombro”, ou seja, de “maravilha”, em relação a uma torrente? A resposta à questão é dada pelo próprio Wojtyla na sua obra filosófica maior, que se intitula Pessoa e ato.

Como é sabido, Platão e Aristóteles sustentavam a tese segundo a qual a filosofia nasce exatamente do assombro e da maravilha. E tal é também a convicção de Wojtyla. Mas, para ele, o assombro e a maravilha não são tanto aquele sentimento experimentado diante de fenômenos do cosmos, mas, ao contrário, é aquele que se experimenta diante do ser humano. A torrente que flui é uma metáfora que exprime a vida do homem, naquela dinâmica que lhe é típica.

Vejamos os versos centrais, com a incessante repetição dos termos “assombro” e “maravilha” em relação com a figura do homem:

As águas descendentes não se maravilham
e os bosques descem silenciosamente
ao ritmo da torrente
- porém, um ser humano maravilha-se.
A abertura que um mundo cruza através do homem
é do assombro o limiar
(uma vez, exatamente este portento teve por nome “Adão”)
E estava só, com o seu assombro,
entre as criaturas que não se maravilhavam
- para as quais existir e fluir era suficiente.
O homem, com elas fluia
sobre a onda do assombro!
Maravilhando-se...

O homem é o “lugar de encontro com o Verbo Primordial”, diz Wojtyla. Na segunda composição, sob o título “A Nascente”, busca-se a origem de mesma torrente, e por isso o Verbo Primordial, ou seja a nascente da qual nasce o homem. Wojtyla escreve:

Se queres encontrar a nascente
deves continuar para cima, contra a corrente.

Wojtyla reúne em si – em diferentes medidas – as três grandes forças espirituais mediante as quais o homem sempre buscou a verdade: “arte”, “filosofia”, “fé e religião”. A união entre estas três forças, na unidade em que se encontram em Wojtyla, constitui o que Platão chamava a “paixão” com que o homem nasce e pela qual é acompanhado toda a vida, e que certos psicólogos modernos chamam de “código da alma”. É justamente esta paixão que acompanha Wojtyla, e que está constantemente presente em tudo o que ele faz e diz.

No drama de autoria de Karol Wojtyla Irmão do nosso Deus e dedicado a Adam Chmielowski, que se fez monge com o nome de irmão Alberto (canonizado em 1989), lê-se um texto que nos revela muito bem aquela “paixão” ou “código da alma” de que falávamos:

Continua a procurar. Mas o quê? Talvez a tenha procurado bastante. Procurei entre muitas verdades. Porém, estas coisas só podem amadurecer assim. Filosofia... Arte... A verdade é o que, enfim, chega à superfície como o azeite sobre a água. Deste modo, é a vida que no-la revela... pouco a pouco, em parte, mas continuamente. Por outro lado, ela está em nós, em cada homem. E é precisamente aqui que ela está próxima da vida. Trazemo-la em nós, ela é mais forte do que a nossa fraqueza.

E em Nascimento dos confessores, lê-se:

Mas se a verdade está em mim – deve explodir.
Não posso rejeitá-la, rejeitaria a mim mesmo (...)

*

Ao copiar trechos dos poemas do Papa João Paulo II e ao traduzir alguns, tive o mesmo assombro (para usar a palavra já glosada acima) que tive ao copiar os Sonetos de Shakespeare. Ouvir um poema, ou lê-lo, não é a mesma coisa. Ao copiar palavras, frases, elas assumem uma tridimensionalidade ausente em outras formas de expressão. E como se as tocássemos, apalpássemos. Essa deve ser a sensação do escultor que arranca do mármore, lasca após lasca, a visão que ele teve de sua obra ao contemplar a pedra bruta.  Isso tudo, para dizer que me encantei com a profundidade da arte poética de Karol Wojtyla. Poemas que se leem, que se tocam e que se VEEM. E também para lamentar que sua obra literária é tão pouco divulgada. Fui a três livrarias católicas, nenhuma delas tinha um livro de poemas do Papa, somente os documentos oficiais da Igreja de sua autoria. É uma pena. Por isso espero que essa breve, muito resumida mesmo, introdução à poética do Papa desperte o interesse dos leitores e com isso pressione as livrarias a oferecer algo mais do que as suas Encíclicas, por sinal também belíssimas.

A seguir mais alguns fragmentos de seus poemas:

COMEÇA O COLÓQUIO COM DEUS

Na história, o corpo humano morre mais vezes, e morre antes do que a árvore.

Perdura o homem além do limiar da morte, nas catacumbas e nas criptas.

Perdura o homem que parte em todos aqueles que vem depois dele.

Perdura o homem que chega em todos aqueles que antes partiram.

Perdura o homem, para além de qualquer partida ou chegada

em si
e em Ti

                    in “Vigília Pascal”
                    traduzido do italiano por Pe. Mauricio Ruffier
 
*

Os a seguir foram traduzidos por mim do polonês:

Leva-me, Mestre, a Éfrem e permite-me lá ficar contigo
onde os silêncios da costa distante caem nas asas dos pássaros,
como o verde, como a onda exuberante, intocada pelo remo
como o amplo círculo na água, que a sombra do medo não espanta.

.

                  In “Canto sobre o Deus oculto”
                  

*

Não temas.  O feito humano localiza-se entre largas margens
Não é permitido aprisioná-las em leito estreito por longo tempo
Não temas. O humano econtra-se há séculos
Naquele para o qual olhas através do martelar ritmado

In “A pedreira” (obs. o Papa trabalhou numa pedreira quando jovem)
                                 

*

Quero descrever a Igreja
a minha Igreja, que nasce comigo
porém não morre comigo –
eu tampouco morro com ela –
a Igreja que sem cessar me ultrapassa –
Igreja: a profundeza do meu ser e o seu cume

                                     In “Estanislau”
                                     

*

Oh, esplendor! Oh, olhar do Criador,
do qual brotam sempre novas criaturas
e novos mundos nascem secretamente. 

                                    In “Canção sobre o sol inesgotável”, 1944
                                    

*

Falta muito para chegar à fonte?
Afinal, em Ti estremece tanta gente
transluminada com o esplendor das tuas palavras
como as pupilas iluminadas pelo esplendor da água...
a toda essa gente conheces em seu cansaço e também em sua luz

                                     in “Canto do esplendor da água”, 1950
                                     

*

Mas eu te digo que é apenas o teu olhar
que percebe as pessoas tão mal, atraído por anúncios luminosos.
Na realidade o que as revela é o que há de mais oculto nelas
e que nenhuma chama consegue devorar.

                                        In “Canto do esplendor da água”, 1950
                                        

*

Porque desejo abrir espaço
para as Tuas mãos estendidas,
porque quero aproximar a eternidade
para que receba o Teu sopro

O Amor tudo esclareceu,
o Amor tudo solucionou
por isso glorifico o Amor,
onde estiver                            
                                            in “Canto sobre o Deus oculto”
                                            

O Senhor, ao brotar no coração, é como uma flor,
sedento do calor do sol.
Venha, pois, oh luz da profundeza do dia incompreensível
e apoie-se na minha margem

Arda não demasiadamente próximo do céu
e tampouco longe demais.
Guarda, coração, esse olhar,
no qual a eternidade te espera.

                                              In “Canto sobre o Deus oculto”

Vocês também gostaram de ler, de vislumbrar e de tocar esses pequenos fragmentos da poesia de Karol Wojtyla? Então me ajudem a divulgá-la como nossa modesta homenagem por ocasião de sua beatificação.

Tomasz Lychowski  -  1 de maio de 2011

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