quarta-feira, 17 de outubro de 2012

POEMAS DE DOM DÂMASCO


Conservam-se unidos, na parede esquerda da Cripta dos Papas, dois fragmentos originais de um primeiro poema de S. Dâmaso, dedicado ao Papa Sisto II para celebrar o dia glorioso do seu martírio.



"No dia em que a espada (a perseguição)
traspassou as piedosas vísceras da Mãe (a Igreja),
eu (Sisto II), aqui colocado, como pastor (Papa)
ensinava a palavra de Deus (as divinas Escrituras).
Quando eis que, improvisamente, irrompem os soldados,
que me arrancam para fora da cátedra (episcopal).
Os fiéis ofereceram o pescoço à espada
(isto é, os fiéis tentaram salvar o Papa
às custas da própria vida).
Mas apenas o Pastor percebeu
que desejavam tirar-lhe a palma (do martírio),
ofereceu-se a si mesmo e à sua cabeça por primeiro,
não tolerando que o furor (pagão)
fizesse mal aos demais.
Cristo, que distribui a recompensa,
tornou claro o mérito do Pastor,
conservando ileso o número do rebanho."


Papa Dâmaso, no quarto século, piedoso cultor dos Mártires, transformou a cripta em lugar de culto. Fez colocar nela um altar, do qual se conserva apenas a antiga base em mármore. Foram abertas clarabóias no teto e colocaram-se colunas, que sustentavam uma arquitrave de onde pendiam lâmpadas e cruzes em honra dos Mártires.
Muito interessante, do ponto de vista histórico, é a lápide que ainda se conserva em grande parte diante da sepultura do papa Sisto II. Foi feita gravar no mármore pelo Papa Dâmaso e contém um segundo poema, em hexâmetros latinos, que comemora os mártires e os fiéis sepultados na cripta e em todo o cemitério:


"Se o procuras, saibas que aqui repousa unida uma multidão de Bem-aventurados.
As sepulturas venerandas conservam os corpos dos Santos,
mas a casa real do celeste arrebatou para si as almas eleitas,
Aqui, os companheiros de Sisto,

que elevam os troféus vencidos ao inimigo.
Aqui, o grupo de anciãos que velam os altares de Cristo.
Aqu,i o Bispo que viveu em longa paz;
aqui, os santos confessores (da fé) enviados da Grécia;
aqui, jovens, meninos e velhos
com seus castos descendentes,
que preferiram conservar a própria pureza virginal.
Aqui, também eu , Dâmaso, confesso-o, gostaria de ter sido sepultado,
mas tive receio de perturbar as cinzas santas dos Bem-aventurados".


O Papa S. Zeferino e o jovem mártir da Eucaristia, S. Tarcísio, celebrado num poema do Papa Dâmaso (366-384), que assim recorda o seu martírio:

... Enquanto um celerado grupo de fanáticos lançava-se sobre Tarcísio, que levava a Eucaristia, para profaná-la, o jovem preferiu perder a vida a deixar o Corpo de Cristo aos cães raivosos".
O poema traz a dedicação "Dâmaso bispo fez (a inscrição) a Eusébio, bispo e mártir". Eis o texto do poema:


"Eráclio não admitia que os lapsos pudessem fazer penitências pelos seus pecados.
Eusébio ensinava que esses infelizes deviam chorar seus pecados
(fazer penitência).
O povo, com a intensificação das paixões, dividiu-se em duas facções:
nascem sedições, lutas, discórdias, litígios.
(Eusébio e Eráclio)
são logo igualmente exilados pelo cruel tirano.
Uma vez que o guia
(o Papa)
conservara intactos os princípios de paz,
ele suportou alegremente o exílio, à espera do juízo divino.
Deixou o mundo e a vida terrena à margem sícula
(da Sicília)
".
O destino final dos Cristãos é a ressurreição de Cristo e a vida eterna. Fala por todos Dâmaso, o cantor das catacumbas. Após recordar em sua inscrição alguns milagres de Cristo, como caminhar sobre as ondas do mar (Mc 6,45-52); a ressurreição de Lázaro (Jo 11,1-44), e a sua própria ressurreição (Mt 28,1-10), Dâmaso afirma com absoluta certeza que Jesus Cristo o fará ressuscitar um dia:


"Aquele que dá nova vida às sementes
que morrem sob a terra,
Aquele que pode desfazer os laços letais da morte
após as trevas,
dando de novo depois de três dias à irmã Maria
o irmão entre os vivos,
creio que fará Dâmaso ressurgir de suas cinzas ".

Espiritualidade nova e transformadora
Descobre-se aqui a verdadeira revolução operada pelo Cristianismo. Estão presentes de modo particular dois tipos de personagens de grande força espiritual: o "mártir" e a "virgem". O "mártir" dá a vida para atestar a certeza da própria fé; dá-la com serenidade e sem lamento em meio ao desencadear-se de brutalidades e torturas; morre sem ódio pelo assassino, antes, implora o perdão para ele. Muitos cristãos sepultados nas catacumbas realizaram de modo sublime e em inúmeros casos o martírio cruento.
A figura da "virgem" cristã não está ausente das catacumbas. É significativo sobre isso o poema damasiano em honra de sua irmã Irene, sepultada no complexo calistiano:

"... Esta, quando ainda em vida, tinhatinha-se votado a Cristo,
assim que o mesmo santo pudor provou o mérito da virgem...
E agora, quando Deus vier até mim
lembra-te de Dâmaso, ó virgem,
para que a tua luz me ilumine".

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